TEXTO EXTRAÍDO DE ARTIGO QUE FIZ PARA A REVISTA HSM MANAGAMENT
O SEQUESTRO DA NOSSA CRIATIVIDADE
Nós crescemos, e com isso temos a magia da vida sequestrada. Uma afirmação um tanto quanto pessimista? Não, realista. E a prova disso está nas manifestações da arte. A arte bem feita imita a vida como ela é e nos ensina algo sobre nossa existência. E quando falo de arte, estou me referindo especificamente à música e ao cinema.
Na música ´The Logical Song´, do Supertramp, banda que surgiu nos anos 70, a letra, é um roteiro sobre nossa trajetória, desde criança até nos tornarmos adultos.
E a mensagem principal é que perdemos a magia da vida quando nos tornamos adultos. A criança enxerga um mundo mágico, colorido e maravilhoso. Mas ao crescermos vamos perdendo essa capacidade, o que impacta diretamente em várias competências, uma delas a criatividade.
Começo com essa provocação pois percebo que quanto mais eu trago essa música nos meus cursos e workshops, mais as pessoas se identificam. E posso dizer com segurança que em mais de 20 anos ministrando cursos, nunca tive alguém que discordou deste ´diagnóstico´.
É claro que, como tudo, temos os contraexemplos, ou seja, pessoas e grupos que conseguiram combater esse fenômeno que eu chamo de ´adultização´. E chegaremos nelas em instantes para sabermos o que elas têm em comum. Mas antes, vamos entender esse conceito pela própria música:
When I was young, it seemed that life was so wonderful
Quando eu era jovem, parecia que a vida era maravilhosa
A miracle, oh it was beautiful, magical
Um milagre, ah era tão bonita, mágica
And all the birds in the trees, well they'd be singing so happily
E todos os pássaros nas árvores, cantavam tão felizes
Oh joyfully, playfully watching me
Ah, alegres, brincalhões, eles me observavam
But then they send me away to teach me how to be sensible
Mas depois eles me mandaram para longe, para me ensinarem a ser sensato
Logical, oh responsible, practical
Lógico, ah responsável, prático
And they showed me a world where I could be so dependable
E me mostraram um mundo, onde eu poderia ser muito confiável
Oh clinical, oh intellectual, cynical
Ah, clínico, ah, intelectual, cínico
APRENDENDO COM HOLLYWOOD
Assim como na música, a indústria audiovisual, mais especificamente Hollywood, também nos traz ensinamentos importantes. É cada dia mais entretenimento com uma pitada de educação. E para que isso aconteça, um dos protagonistas é a criatividade. Criatividade para definir temas e conceitos que direcionam todo o trabalho de produção e pós-produção. Criatividade para que a produção e pós-produção sejam mágicas, conseguindo assim reações nas audiências que nenhuma outra forma de expressão consegue.
E o material utilizado como insumo e matéria-prima é o mundo e a vida como ela é. E este mundo está cada dia mais complexo e difícil de entendermos. Desde a época dos grandes filósofos, Aristóteles, Platão e todo esse time de peso, nós buscamos respostas para diversas perguntas. E a principal delas é ´como devemos viver nossas vidas´. Não nascemos com um manual de instruções. E não adianta essa geração de ´coachs de vida´ virem com respostas prontas e receitas mágicas pois isso só serve para frustrar ainda mais as pessoas que gastam dinheiro com eles. Costumo chamar esta turma de ´estelionatários de emoções´. Acho que nem preciso explicar, não é?
Nossa, mas estamos aqui para falar de criatividade e eu começo com toda essa carga negativa! O fato é que as pessoas não são quem elas dizer ser no Instagram, nem em qualquer outra rede social. O mundo aparentemente cor-de-rosa não existe mais. As histórias têm o ´Era uma vez´ mas é cada dia mais difícil encontrarmos o ´foram felizes para sempre´. As pessoas estão sofrendo. E entender o lado negativo da vida é o primeiro passo para mudarmos a nossa história. Aliás, a alma de qualquer história contada está na qualidade e na verdade das forças antagônicas, pois elas obrigam o protagonista a ser forte para superar seus perrengues e conquistar seu desejo. Histórias que são a melhor forma de encontrarmos respostas para os desafios da vida. E é aí que a criatividade se torna protagonista.
O cinema tem muitas respostas para perguntas existenciais. Aquela lá do começo deste texto, sobre a nossa perda da magia da vida quando crescemos, já foi representada em várias ´películas´ (nossa, agora entreguei a idade!). Uma delas foi no filme BIG, ´Quero ser grande´, com Tom Hanks. Ele é um adolescente que tem vontade de fazer coisas de adulto, mas é impedido. Vai então para uma máquina de desejo e pede para que ´seja grande´. No dia seguinte ele acorda no corpo de adulto só que com a cabeça e emoções do mesmo adolescente. A trama nos mostra um adulto no corpo de criança tentando se virar num mundo muito chato. No final ele deseja voltar para a adolescência pois sentiu na pele o que é conviver com pessoas que ´perderam essa magia´. Uma ficção? Sim. Mas acredito que ´toda ficção é uma mentira que ajuda a entender a verdade da vida´.
Quando assistimos Titanic, não estamos vendo um filme sobre um navio que afunda. Mas uma aula, cujo professor é o Jack (Leonardo Di Caprio) que ensina para a Rose (Kate Winslet) que é possível viver uma vida de forma autêntica desde que tenhamos coragem de seguirmos nossos instintos e pagarmos o preço.
A história do filme nos ensina. A trama nos entretém. Trama é o que acontece com os personagens a cada cena numa relação de causa-efeito.
Todos os filmes da PIXAR possuem seus ensinamentos. De Toy Story a Soul (último lançamento), cada filme nos toca com personagens que se transformam e nos ensinam algo sobre a vida. Toy Story não é sobre brinquedos que falam, mas sobre a dificuldade que é nos desapegarmos e não nos sentirmos abandonados. Que podemos ser especiais sem sermos os únicos. E que um dia, tudo acaba, e você pode ser feliz com outra pessoa, no caso do Woody, outra dona.
A INDÚSTRIA DA EMOÇÃO
Alfred Hitchcock, o mestre do suspense e da manipulação de emoções nas audiências, uma vez declarou:
"Nós não estamos fazendo um filme; estamos fazendo um órgão, como em uma igreja. Nós pressionamos este acorde, o público ri. Nós pressionamos esse acorde, e eles ofegam. Nós pressionamos essas notas e elas riem. Algum dia, não teremos que fazer um filme. Vamos apenas anexá-los a eletrodos e tocar as várias emoções para eles experimentarem."
E assim, eu trago para vocês o que chamo de ´indústria da emoção´, que são os filmes e séries produzidas em Hollywood. Claro, em outros lugares também, mas Hollywood marcou por ser a pioneira e continua sendo o centro dessa arte no mundo.
Fui sócio e representante do maior especialista em roteiro de Hollywood, Robert McKee, que ensinou a PIXAR a escrever histórias, em 1994, resultando em Toy Story e uma série de filmes que viajam o mundo todo e funcionam para todas as idades.
Nessa trajetória, descobri que a criatividade é o principal combustível para cada papel desempenhado num processo de produção de um filme.
E aprendi que não existe uma emoção que não tenha sido representada pelos filmes em Hollywood. E os grandes filmes sempre acompanham o que está acontecendo na sociedade. House of Cards foi criado num momento de dificuldade política nos EUA. Até o último filme da PIXAR, Soul, traz questões existenciais que a humanidade toda está vivendo hoje.
E o mais interessante destes filmes é que eles conseguem agradar praticamente a todos. Isso porque, num certo nível, somos todos iguais. Ou seja, queremos o mesmo e sentimos o mesmo. Nos frustramos, ficamos com raiva, queremos ser reconhecidos, choramos no banheiro, queremos dar amor e ser amados, temos sonhos e nos frustramos quando não conseguimos o que queremos, e a lista não tem fim. Os filmes de Hollywood nos mostram isso. E mesmo fora de Hollywood. Quem conseguir usar essa premissa de que somos todos iguais para direcionar sua história, provavelmente vai ser bem sucedido(a). Inclusive no mundo corporativo. E eu sou a prova viva de que isso é capaz, com mais de 20 mil trabalhos feitos em mais de 20 anos. Muitas delas, o adulto demais das empresas acabou estragando o roteiro, mas boa parte deles nós conseguimos sair vitoriosos.
ABRINDO CAMINHO PARA A CRIATIVIDADE
A criatividade no processo de produção dessas histórias começa, diferente do que você pode imaginar, na premissa da história, no conceito, na definição do assunto da história.
"Um filme é um sucesso ou fracasso a partir do momento em que ele é concebido."
Geroge Lucas
E o mais irônico, é que o primeiro passo de um processo de criação em Hollywood é sobre ´limitações criativas´. Ou seja, quais são os limites que precisam ser definidos para que o universo da história seja de uma tamanho suficiente que a audiência possa se apropriar dele. Sobre quem, sobre o que, qual o conflito principal, quais os valores universais abordados, onde acontece, em que momento do tempo, e o que for necessário. Os limites fazem com que a criatividade possa não ter limites dentro do que foi estabelecido.
Sabemos que Star Wars sempre terá algumas premissas para que faça parte do seu universo. E quem conhece sabe quando algo acontece que não tem relação com o que foi originalmente definido.
O mesmo vale para histórias dentro de empresas, seja em Branding, Marketing, Propaganda, Vendas, internamente ou externamente. Vale também para uma roda de amigos. Afinal você não quer ser aquele ´mala sem alça´ que começa uma história que não tem fim e as pessoas vão fugindo pois não estão nem um pouco engajadas.
De tudo isso, o mais importante é entendermos que qualquer obra, seja ela uma história de um filme, um negócio, uma música, um quadro, enfim, tudo na nossa vida começa com uma ideia. Para quem acredita que nós viemos de Adão e Eva, existia por trás desta história uma ideia de que o ser humano poderia escolher seu próprio destino. Mesmo que seja uma metáfora, é uma história atemporal e que sempre vai mover as pessoas. E para quem acredita que viemos de uma evolução natural, a mesma coisa, uma ideia central define as bases da teoria.
E tudo isso começa quando somos crianças com aquela frase: ´tive uma ideia´. E em seguida vem o ´e se...´. E então somos livres para imaginarmos o possível e o impossível. Podemos aprender com essa criança sobre a origem da criatividade. Ela vem de uma postura que favorece a vinda do original, de algo que nunca foi antes pensado. Afinal, ninguém gosta do lugar comum, do cliché e daquilo que já foi visto antes.
As premissas para que sejamos criativos nas nossas histórias e na vida, eu aprendi na prática, ouvindo muito ´você é louco´ ou ´isso não vai dar certo. Toda vez que isso acontecia eu sabia que estava no caminho certo. São elas:
Não tenha medo de errar
Permita-se falar bobagem
A primeira ideia que vem à cabeça, geralmente é cliché, jogue fora
Acredite que tudo é possível
Deixe o crítico de lado quando estiver criando
Toda ideia é candidata, mas nenhuma é finalista até que seja bem avaliadaAdapte o que já existe trazendo um novo jeito de abordar
Deixe de lado seu ego.
Uma boa ideia existe para servir sua audiência e não para mostrar o quanto você é inteligente
Se estiver criando uma história, pense nos valores universais e como eles podem se transformar numa trama. A história ensina e a trama entretém.
O PODER DO ´E SE...´
Em Hollywood, a ideia é que comanda. Desde o princípio, um roteirista pensa em como tornar sua história única, original e algo que seja atraente do começo ao fim. Como eu posso evitar aquilo que já foi visto diversas vezes? Essa luta contra o cliché é vencida pelas grandes ideias.
Imagine quem teve essa ideia: ´E se fizéssemos um filme sobre um adolescente que acidentalmente é mandado para o passado e precisa garantir que seus pais vão realmente se encontrar e se casar, caso contrário ele não existira´. Estamos falando de ´De volta para o futuro´.
A PIXAR criou um universo de histórias com uma simples premissa: o que aconteceria se os brinquedos tivessem reações humanas? O que aconteceria se peixes tivessem reações humanas?
Este é o primeiro nível da ideia. O segundo aproxima a história de ser concretizada. ´E se o brinquedo preferido corresse o risco de perder o seu lugar pois um brinquedo mais interessante apareceu no pedaço?´
A criatividade nesse caso não é só ter ideias. É saber se colocar no lugar de um brinquedo e pensar o que poderia acontecer de pior com ele. Neste caso, o Woody, preferido do Andy, o pior seria o abandono. Algo que nós também não queremos.
Chegamos no final deste texto. E a moral da história é que tudo começa com uma boa ideia. O sucesso ou fracasso de uma história ou de um empreendimento começa a partir do momento em que a ideia é concebida.
Um jeito interessante de avaliar a sua ideia é tentar responder a pergunta ´Sobre o que é o seu projeto/filme/história?´ Se a resposta gerar uma vontade de se envolver com a ideia, você está no caminho certo. Caso contrário, desapego é a palavra.
Comece de novo!
E para finalizar, preste bem a atenção neste clipe MARAVILHOSO da música THE LOGICAL SONG. É a essência deste artigo:
By Joni Galvão
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